Friday, September 29, 2006

Doce e piegas

Pela primeira vez assisti a um debate presidencial sem ter o meu candidato já escolhido. Nas outras eleições eu também assisti, mas com outro espírito. Em 89 assisti a todos os debates com vibração de jogo de futebol - meu candidato Mario Covas, apesar da minha torcida, não levou. Em 94 torci pelo FHC. 98 de novo. 2002 perdi com o Serra. Esse ano assisti ao debate por necessidade, pois estou insatisfeito com o governo do Lula e não havia encontrado ainda alguém como alternativa. Até ontem eu estava considerando continuar com o presidente, por acreditar que seria o processo natural das coisas, por acreditar que toda a corrupção que vemos era apenas mais transparência, por acreditar que seria necessário mais 4 anos para purgar algo que fizemos errado nos últimos sei lá quantos anos e levou a essa situacão perigosa que vivemos. Mas ontem o debate foi interessante. A ausência do Lula foi patética para ele - o mesmo cara que repudiou a atitude do Collor em 89 de não comparecer a debates repetiu o ato. Parece que a máxima pessimista que diz que política é a arte de se manter no poder faz sentido nesse governo. Triste ver que a frase do careca de SC que diz que a política é como o violão, se pega com a esquerda e se toca com a direita. Triste ver que as fórmulas se mantém aplicadas mesmo por aqueles que as repudiavam. Bem triste ver que eu estava acreditando que essa situacão poderia continuar por mais 4 anos... então veio o debate e resolvi ouvir com atenção a cada um dos 3 que compareceram. Ouvi atento a Eloisa Helena, mas não consegui superar o ranso que tenho em relação a visão dela que me parece ser imatura, sem deixar de ser louvável. Meu voto não foi pra ela. O Alckmin me decepcionou muito. Até me constrangi por ele ter sido pupilo do Covas (a quem sempre admirei) e ter apresentado tão pouca capacidade ontem. Encontrei, porém, o Cristovam Buarque que, no meu entender, foi contundente, que apresentou pensamentos coerentes e profundos que coincidem exatamente com o que penso. Por exemplo a visão dele sobre abrangência do conceito de corrupcão que envolve responsabilidade. Passei a acreditar na revolução doce e piegas que ele prega para o país. Enfim, farei parte dos 2 ou 5 por cento que terão percebido um caminho melhor ali.

Monday, September 25, 2006

TETRIS


Costumo comparar o funcionamento do meu cérebro com o de um computador. Isso é um clichê, até, mas sempre vem a minha cabeça a imagem de arquivos sendo reorganizados dentro da cabeça. Quem já pediu pro computador fazer um defrag e selecionou o modo de visualização do processo já viu como é - os milhões de quadradinhos de cores diferentes, todos misturados, vagarosamente trocando de lugar, sendo colocados lá em baixo, ao lado dos de mesma cor: vermelhos com vermelhos, verdes com verdes, azuis com azuis e assim por diante. No fim do processo a gente pode comparar como estava e como ficou. A bagunça vira organização. E a máquina anda bem melhor.

Acho que isso acontece com a cabeça da gente quando a gente descansa. Por isso muitas vezes fico ansioso por um fim-de-semana prolongado, pra dar tempo de reorganizar a cabeça e começar a semana numa boa, sem coisas guardadas no lugar errado pra atravancar. Mas geralmente os fins-de-semana e feriados são suficientes apenas pra um restart, o que não mexe na estrutura das coisas e não traz grande diferença pro funcionamento da máquina.

Agora, voltando de férias, depois de mais de 23 dias distante, sinto que além de fazer um defrag completo, deu tempo de até de jogar tétris com os quadradinhos lá de cima.

Ahhhh! que beleza :)

Friday, September 01, 2006

Rascunho de teoria econômica que quando for aplicada mudará os noticiários.

A gente ganha uns hábitos durante a vida. Um dos que eu ganhei foi ouvir políticos na TV e comentarista econômico. Por algum motivo eu gosto da raiva que dá ver falcatruas e bobagens (nessa ordem) serem defendidas com retórica bem aplicada. Sinto um borbulhar sanguíneo movido pela incredulidade de estar ouvindo bobagens transvestidas de certeza.

Sobre a taxa de juros, por exemplo.

A notícia que mais virou paisagem no Brasil é a elevação ou redução da taxa de juros. É tão presente quanto as variações climáticas e tem posição mais destacada, até, no quadro. Vejo e ouço explicações incríveis, muitíssimo elaboradas. E sinto muito raiva. O principal motivo é que todos falam do juros como algo matematicamente explicável, tipo uns números que teimam em não obedecer. Fulano vai lá e diz que não poderá baixar a taxa de juros mediante a ameaça de uma subida do juros americanos. Ou que a entrada de capitais ficará ameaçada se a taxa baixar mais do que 0,5%. Ou que o México puxou uma nova alta. Muita raiva! Eu queria que eles explicassem ou me dissessem algo mais FUNDAMENTAL. Tipo, por que a taxa do Brasil é a maior do mundo?

Esses dias, ao fone, perguntei isso pra um amigo meu que filosofa bastante e ele me explicou. Tento transcrever aqui parte da conversa:

"O problema do juros é de linguagem. O Brasileiro não sabe o que juros significa, por isso ataca os problemas errados. Juros em inglês é interest. Na tradução óbvia, significa interesse. E se você pensar na lógica econômica verá que as medidas todas que os economistas e políticos discutem são apenas formas de comprar o interesse do capital internacional. O governo aumenta a taxa de juros pra que o aluguel do dinheiro deles valha mais e por isso eles se interessam em colocar dinheiro na nossa economia. Mas o governo todinho esquece de pensar de forma mais ampla, que seria criar mais condições para que investimentons produtivos, no país, dêem certo. Pra isso teriam que alterar muito mais do que taxas e índices econômicos. Seria alterar inclusive coisas culturais."

Meio viagem, achei.

"Por exemplo, não faz sentido ter política governamental pra endividar a população. A que existe no Brasil dé espaço pra empobrecer muito a classe média e média baixa. No Brasil você vai numa loja e não vê o preço de um item anunciado e sim o valor da parcela, que pode ser de 5, 8, 12, 24, 36 vezes... Você vê uma TV de Plasma de 34 polegadas que você pode comprar por 36 vezes de 500 reais. Isso é uma lógica maluca, de endividamento, de atirar o problema pra frente e receber ele lá na frente com mais peso. É ruim. E ruim é que a sociedade toda aceita isso e até acha que isso é uma vantagem."

Pois é.

"Olha só: quem é o principal patrocinador do Programa do Faustão? É o Fininvest. Eles vendem a lógica do dinheiro fácil pra pessoas que tão precisando. E quem precisa, pega o empréstimo fácil-fácil, mas depois se estrepa pra pagar. E ainda leva pra dívida os avalistas. E assim vai. O Brasil virou uma sociedade endividada, que tá sempre correndo atrás, enquanto deveria ser uma sociedade com poupança. Se tivesse poupança o juros alto até seria positivo, mas aí ele não seria necessário."

Auhmm... Não me deu raiva. Será que faz sentido? Desligamos o fone com cordialidades. Então decidi assistir ao horário político. Mas aí liguei a TV e o Lula tava esclarecendo ao brasileiro que não se pode avaliar o crescimento de 0,5 do PIB como baixo... pois tem que se avaliar essas coisas de forma menos fria do que números e gráficos econômicos... o prazer, aquela raiva contida, aquele borbulhar interno se espalhou novamente no meu corpo.

Tuesday, August 15, 2006

Pensamento socialmente (quase) egoista

Tenho me flagrado com bastante frequência pensando numa comparação que não é nova, mas que parece bem coerente, ou até óbvia. Tem a ver com a posição do Brasil no mundo e com a nossa posicão dentro dos dois. Explicarei com o meu caso, que também se aplica a maioria das pessoas que eu conheço.

Eu sou um brasileiro sortudo e um ser humano geograficamente azarado. Como brasileiro tive a sorte de nascer numa família que teve boas possibilidades de me dar ótimas condições de saúde, segurança, educação, conforto, cultura. Enfim, tive o suficiente pra crescer direitinho, pra ser feliz e ainda gozar de algum bônus. Me sinto um sujeito sortudo nessa ótica. Mas também me sinto um puta dum azarado de ter nascido dentro das fronteiras do Brasil. Os motivos estão na TV diariamente. E são reforçados quando a gente percebe que é renegado no mundo, que não tem o mesmo respeito nas fronteiras, que somos, de certa forma, os pobres que querem forçar a entrada.

Talvez isso seja um pensamento pequeno-burguês (lembrei dos Carbonários :), mas é a minha realidade.

O pensamento se torna relevante quando penso que a coisa pode apertar no Brasil. Quando leio as notícias, principalmente as que tem a ver com justiça e política, sinto que vai ser difícil o Brasil retomar a ORDEM. E nesse caso, se eu não quiser colocar a mão na massa, mudar de profissão e assumir uma postura de liderança, o que me restaria seria sair dessa fronteira e exercer minha profissão noutro lugar.

Ainda me pergunto como.

Friday, August 04, 2006

Sobre a vida normal em Beirute.

Anthony Bourdain é um jornalista do Travel Channel que foi fazer um programa de TV em Beirute. Seria algo sobre culinária, estilo e outras amenidades :) no padrão People&Arts. Ele pretendia mostrar como Beirute tava legal para o turismo, como tinha ruazinhas interessantes, cheias de estilo próprio, que representavam a personalidade de um país que sofreu anos com guerras e destruição e soube reconstruir a vida social.

Porém no dia que ele chegou foi quando começou o revide israelense. E ele não pode fazer o programa nem ir embora de lá porque os aeroportos foram fechados e suas pistas de pouso destruidas. Se não fosse isso ele nos mostraria porque Beirute era chamada de "Paris do oriente".

Essa é uma parte que acho interessante que copiei já traduzida do blog do Pedro Dória:

"De início, a festa não parou. Quem é de Beirute gosta de dizer (verdade ou não) que não deixaram de sair e festejar durante toda a Guerra Civil. Não era cool buscar abrigo quando havia um bombardeio. Nós ‘não devíamos nos preocupar. Todas as boates têm geradores próprios.’ Naquela noite, continuamos a gravar (e a beber muito) na festa de abertura do Sky Bar, agora em novo local, uma boate numa cobertura com vista para o Mediterrâneo. Gente endinheirada de Beirute – todos, parecia, eram jovens, sensuais e incrivelmente bonitos – bebia Red Bull com vodka e se mexia (se é que não dançava) conforme os jatos israelenses sobrevoavam ameaçadoramente baixos. Não fossem os caças, pareceria que estávamos em Los Angeles ou em South Beach, Flórida."

Sobre a incrível incapacidade humana de entender o significado de palavras que não são nativas da realidade de quem as usa.

Ontem, numa conversa, falei que o ataque das últimas 24horas do Hezbolá sobre Israel se resumiu a 200 mísseis. Falei isso em tom zombateiro, como uma forma de ilustrar o que eu penso sobre a guerra. Sobre a guerra ser mais para ver do que para sentir. Na lógica de que a TV mostra os piores fatos, os grandes bombardeios, as cenas mais cinematográficas, as fatias mais impressionantes. E quem está lá no pais em guerra não vive aquilo que a gente enxerga na TV.

Bom, essa noite foi diferente, pelo menos pra mim.

Certo momento eu tava em uma casa, um lugar muito bonito, perfeitamente decorado pra sentir como se tivesse em uma ilha, talvez vizinha à Ilha da Fantasia. Eu a a Martina estávamos na varanda e espiávamos para dentro da casa através dos janelões de vidro. Dentro parecia quente, muito aconchegante e estávamos prestes a entrar. Então vimos uma flecha cruzar o céu, longe, bem distante. então adivinhei que era um míssel. E depois veio outro e mais dois, riscando o céu em caminhos quase idénticos. Então eu tava numa lancha offshore curtindo a vida no paraíso. Por uma fresta vejo o painel de controle do barco, uma espécie de radar meteorológico e nele está um ponto em movimento na direção do centro radial. Me vejo ameaçado. Então corro para avisar e ordenar a fuga, corro para buscar a Martina, corro sem sair do lugar. Então enxergo o míssel com fuselagem branca e detalhes em vermelho em rasante sobre o mar azul escuro. Sei que ela tá rápido mas enxergo devagar, apesar do ponto de referência das montanhas. Percebo que ele está mesmo devagar e que eu estou também, que todo o mundo entrou em câmera lenta, numa velocidade que permitiria ao meu cérebro processar o que estava acontecendo e encontrar um plano de fuga. Então eu tava no proa sem chegar a conclusão alguma, sem entender por que um míssel está me perseguindo. Entre esse pensamento e outro foi como duas horas e senti minhas pernas moverem-se na velocidade das tartarugas fora dágua e abracei a Martina e falei pra ela que se vamos morrer vamos ver o lado bom. E vi a minha vida não como um filme, mas como uma sentença que dizia algo como "Parabéns pelos seus dias, me orgulho de você. Você foi um aprendiz que pode passar de fase" acompanhada de imagens que não se solidificaram sobre o convés. O míssel tava vindo e eu tava no controle da lancha. Manobrei uma curva fechada. A lancha tinha a desenvoltura de um caça e ao meu lado tava a instrutora de astrofísica aplicada a aviação, Charlotte Blackwood. Então eu tava de volta a ilha, no patio da casa, buscando lenha quando explodiu um cogumelo no horizonte. O alívio da última fuga sumiu e senti medo da sorte. Corri acompanhado de alguém para entrada da casa, que estava fechada. Pulei muros e encontrei outras pessoas correndo. Era noite e eu queria paz, queria dormir tranquilo. e outro míssel passou voando e caiu perto. E outro, e outro, eram dezenas e eu estava jogando batalha naval e correndo. Pulei uma cerca e senti areia no pé descalso, acendi a lanterna, a Martina gritou que não! E enxergo na beira da praia um grupo de fugitivos cubanos preparando uma balsa e um deles corre na minha direção. É um cachorro que pula e tenta me lamber e eu esquivo e ele some. E corro. E uma dúzia também corre. e o míssel tá chegando... de novo e de novo.

E o sonho continua tirando a minha paz, consumindo o tempo que tenho para descansar, estragando o prazer de não sentir nada. E acordo com a nítida impressão de que tudo foi um sussurro de alguém preocupado com a minha incapacidade de entender o que significa terrorismo.